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Bula pontifícia

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Bula papal é um tipo de decreto público, cartas patentes ou carta emitida por um Papa da Igreja Católica. Seu nome deriva do selo de chumbo (bula) tradicionalmente aposto para autenticá-la.

Texto impresso da bula Exsurge Domine do Papa Leão X contra os erros de Martinho Lutero, emitida em junho de 1520

As bulas papais são utilizadas pelo menos desde o século VI, embora a expressão não tenha sido usada até o final do século XIII, e mesmo assim apenas internamente, para fins administrativos informais. No entanto, tornou-se oficial no século XV, quando um dos ofícios da Chancelaria Apostólica foi chamado de "registro das bulas" (registrum bullarum).[1]

Com a ascensão do Papa Leão IX em 1048, surgiu uma distinção clara entre dois tipos de bulas: as de maior e menor solenidade. A maioria das "grandes bulas" existentes são confirmações de propriedades ou cartas de proteção concedidas a mosteiros e instituições religiosas. Em uma era com muita falsificação documental, aqueles que obtinham bulas de Roma desejavam garantir a autenticidade de seus documentos. Uma confirmação papal, sob certas condições, podia ser considerada prova suficiente de posse quando o documento original havia sido perdido ou destruído.[1]

Desde o século XII, as bulas papais trazem um selo de chumbo com os rostos dos apóstolos São Pedro e São Paulo de um lado, e o nome do papa do outro. Inicialmente, as bulas eram usadas para diversos tipos de comunicação pública, mas desde o século XIII passaram a ser reservadas para as ocasiões mais formais ou solenes.[2] Até o início do século XI, usava-se quase exclusivamente papiro como material para esses documentos, sendo posteriormente substituído por uma forma rudimentar de pergaminho.[1]

Pesquisadores modernos utilizam retroativamente o termo "bula" para descrever qualquer documento papal elaborado, emitido sob a forma de decreto ou privilégio, solene ou simples, e até alguns menos elaborados emitidos como cartas. Popularmente, o termo é usado para qualquer documento papal com selo metálico.

Hoje, a bula é a única comunicação escrita em que o papa se refere a si mesmo como "Episcopus Servus Servorum Dei" ("Bispo, Servo dos Servos de Deus").[3]

Embora as bulas papais sempre tenham trazido selos metálicos, hoje isso ocorre apenas nas ocasiões mais solenes. Atualmente, a bula é o tipo mais formal de decreto público ou cartas patentes emitido pela Chancelaria do Vaticano em nome do papa.[3]

O formato da bula começava com uma linha em letras altas e alongadas contendo três elementos: o nome do papa, o título papal "Episcopus Servus Servorum Dei" e seu incipit, ou seja, as primeiras palavras em latim do documento, que serviam para registro, embora nem sempre indicassem seu conteúdo.[3]

O corpo do texto costumava ser simples e sem convenções específicas de formatação. A seção final apresentava um curto "datum", mencionando o local de emissão, o dia do mês e o ano do pontificado, além das assinaturas e o selo.[3]

Nas bulas mais solenes, o papa assinava pessoalmente o documento com a fórmula "Ego N. Catholicae Ecclesiae Episcopus" ("Eu, N., Bispo da Igreja Católica"). Em seguida vinham um monograma elaborado, as assinaturas de testemunhas e o selo. Atualmente, um membro da Cúria Romana assina em nome do papa, geralmente o Cardeal Secretário de Estado, e o monograma é omitido.[3]

Bula de chumbo (anverso e reverso) do Papa Gregório IX, papa de 1227 a 1241

A característica mais marcante da bula era o selo metálico (bula), geralmente de chumbo, mas feito de ouro nas ocasiões mais solenes, como nas bulas imperiais bizantinas (ver Bula de Ouro). No anverso, representava, de forma inicialmente rudimentar, os apóstolos São Pedro e São Paulo, identificados pelas inscrições Sanctus PAulus e Sanctus PEtrus (assim, SPA • SPE ou SPASPE). Paulo, à esquerda, era mostrado com cabelo longo e barba pontiaguda; Pedro, à direita, com cabelo encaracolado e barba curta feita de pequenas esferas em relevo (globetti). Havia um círculo de globetti ao redor de cada cabeça, outro na borda do selo, e uma cruz entre os dois rostos.[4] No reverso constava o nome do papa emitente em latim no caso nominativo, seguido das letras "PP", de Pastor Pastorum ("Pastor dos Pastores"). O disco era preso ao documento com cordões de cânhamo, no caso de cartas de justiça, ou de seda vermelha e amarela, no caso de cartas de graça, passados por fendas no velino do documento. A palavra "bulla" vem do latim "bullire" ("ferver"), aludindo ao fato de que o material do selo precisava ser derretido para moldagem.[5][6]

Em 1535, o gravador florentino Benvenuto Cellini recebeu 50 escudos para recriar a matriz de metal usada nas bulas de Papa Paulo III. Cellini manteve os elementos tradicionais, como os rostos dos apóstolos, mas com muito mais detalhe artístico. No reverso, adicionou flores-de-lis, símbolo heráldico da família Farnese, da qual o papa descendia.[5][6]

Desde o final do século XVIII, a bula de chumbo foi substituída por um carimbo em tinta vermelha com as figuras de Pedro e Paulo e o nome do papa em volta, embora cartas muito solenes, como a bula do Papa João XXIII convocando o Concílio Vaticano II, ainda utilizem o selo de chumbo.[5][6]

As bulas papais só existem em quantidade significativa a partir do século XI, com a transição do frágil papiro para o pergaminho durável. Nenhuma bula completa anterior a 819 sobreviveu. No entanto, algumas bullae de chumbo datadas do século VI ainda existem.[5][6]

De uma série de xilogravuras (1545) conhecidas como Papstspotbilder ou Papstspottbilder,[7] por Lucas Cranach, encomendadas por Martinho Lutero.[8] "Beijando os pés do Papa";[9] camponeses alemães respondem a uma bula do Papa Paulo III. A legenda diz: "Não nos assuste, Papa, com tua excomunhão, nem sejas tão irado. Caso contrário, nos viramos e te mostramos nossas nádegas".[10][11]

Quanto ao conteúdo, a bula é simplesmente o formato no qual um decreto papal é emitido. Qualquer tema pode ser tratado em uma bula, incluindo decretos estatutários, nomeações episcopais, dispensas, excomunhões, constituições apostólicas, canonizações e convocações.[12][13]

A bula foi o formato exclusivo de carta do Vaticano até o século XIV, quando surgiu a breve papal. Esta é uma forma menos formal de comunicação, autenticada por um selo de cera, atualmente substituído por um carimbo em tinta vermelha com o Anel do Pescador.[14][15][16]

Século XVIII

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Bulas douradas

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As bulas douradas foram emitidas não pelo papa, mas por monarcas europeus, como a Bula Dourada de 1356, que determinou a estrutura do Sacro Império Romano-Germânico.[19]

  1. a b c Este artigo incorpora texto da Catholic Encyclopedia, publicação de 1913 em domínio público.
  2. «Bula papal». Encyclopædia Britannica. 10 de janeiro de 2020. Consultado em 7 de julho de 2012 
  3. a b c d e Mann, Stephanie A. (1 de setembro de 2016). «What Is a Papal Bull?». Our Sunday Visitor. Consultado em 23 de agosto de 2017. Cópia arquivada em 12 de janeiro de 2020 
  4. Botsford, George Willis; Botsford, Jay Barrett (1922). A Brief History of the World: With Especial Reference to Social and Economic Conditions. [S.l.]: Macmillan. p. 293 
  5. a b c d «Papal bull | Description, History, & Use | Britannica». www.britannica.com (em inglês). Consultado em 20 de abril de 2025 
  6. a b c d «‎History of Science and Technology - Collection - UWDC - UW-Madison Libraries». search.library.wisc.edu. Consultado em 20 de abril de 2025 
  7. Oberman, Heiko Augustinus (1994). The Impact of the Reformation: Essays. [S.l.]: Wm. B. Eerdmans Publishing. ISBN 978-0802807328 
  8. Edwards, Mark U. Jr. (2004). Luther's Last Battles: Politics And Polemics 1531–46. [S.l.]: Fortress Press. p. 4. ISBN 978-0800637354 
  9. HIC OSCULA PEDIBUS PAPAE FIGUNTUR
  10. "Nicht Bapst: nicht schreck uns mit deim ban, Und sey nicht so zorniger man. Wir thun sonst ein gegen wehre, Und zeigen dirs Bel vedere"
  11. Edwards Jr, Mark U. (19 de novembro de 2004). Luther's Last Battles: Politics and Polemics 1531-46. [S.l.]: Fortress Press. ISBN 978-1-4514-1398-4 
  12. «Hear ye, one and all: The papal bull». 30 de junho de 2023 
  13. «Papal Bulls» 
  14.  Thurston, Herbert (1908). «Bulls and Briefs». Enciclopédia Católica (em inglês). 3 
  15. «Fisherman's ring | Papal Blessing, Devotional Jewelry & Prayer | Britannica». 26 de janeiro de 2024 
  16. «Search results» 
  17. a b c DEMURGER Main. Os Cavaleiros de Cristo. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2002.
  18. Pius 7. (1849). Bullarii Romani continuatio Summorum Pontificum Clementis 13., Clementis 14., Pii 6., Pii 7., Leonis 12. et Pii 8. (dal v. 11: ..., Pii 8. et Gregorii 16.) constitutiones, literas in forma brevis, epistolas ad principes viros, et alios, atque allocutiones (poi anche: alloquutiones) complectens: Tomus decimus quartus continens pontificatus Pii 7. annum decimum septimum ad octavum (em italiano). [S.l.]: ex typographia Reverendae Camerae Apostolicae. p. 254. Primatis Indiae 
  19. «Golden Bull. The Columbia Encyclopedia, Sixth Edition. 2001». web.archive.org. 6 de maio de 2005. Consultado em 20 de abril de 2025 
  • ABRANCHES, Joaquim dos Santos - Summa do Bullario Portuguez. Coimbra, 1895.
  • COSTA, Avelino de Jesus da, e MARQUES, Maria Alegria F. - Bulário português: Inocêncio III (1198-1216). Lisboa: INIC, 1989.
  • JORDÃO, Levi Maria - Bullarium Patronatus Portugaliae Regum in Ecclesis Africae, Asiae atque Oceaniae. Bulas, Brevia Epistolas, Decreta Actaque Sanctae Sedis ab Alexandro III ad hoc tempus amplectus, 5 vols. Lisboa: Imprensa Nacional, 1868-1873.

Ligações externas

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