Cultura Pop
Lendas urbanas históricas 8: Setealém

Voltamos com o oitavo e ÚLTIMO capítulo da nossa série sobre lendas urbanas, começando lá pelos anos 1980 e prosseguindo com as lendas que fazem a turma mais nova morrer de medo (essas lendas existem?). Dessa vez o papo é sobre Setealém, um universo paralelo que muita gente visitou (ou pelo menos crê que visitou)…
SETEALÉM: A PRIMEIRA CREEPYPASTA DO BRASIL? (2004-2020)
Para quem não sabe o que é creepypasta, a definição mais simples é: um compêndio de lendas urbanas sobre um mesmo tema em grupos de discussões da internet.
O termo Setealém tem sido um trending topic no ano de 2020 no Brasil. Mas Setealém, 7Além, Cetealém, Sete Além (não se sabe qual é a real grafia) é um lugar? Uma cidade, bairro? Os jovens e adolescentes brasileiros andam intrigados com o tema. Aliás, Luciano Milici, escritor e especialista em marketing, alega ter o registro da marca “setealém” e de suas variações. Conversamos com ele, que nos contou um pouco sobre essa história (confira lá embaixo).
MAS O QUE É SETEALÉM?
Calma! O POP FANTASMA esclarece todas as dúvidas sobre este lugar misterioso que vem assombrando muita gente na internet. Há pessoas que têm certeza de terem visitado o lugar sem querer (ou querendo) através de rituais. E até via Randonautica, o aplicativo estranho que vem fazendo a cabeça de jovens e adolescentes neste ano de 2020 (e sobre o qual falamos em outro capítulo desta série).
Os fãs acalorados de séries como Stranger things e de jogos eletrônicos de terror como aquele lançado pela empresa japonesa Konomi, o Silent Hill (que foi transformado em filme em 2006), entenderão bem o que é Setealém. Trata-se de um lugar apagado, decadente, com pessoas tristes ou rancorosas que sabem da nossa existência e não querem nossa presença. Não se sabe se é um plano espiritual ou um universo paralelo, o que se sabe é que os seus moradores chegam ao “nosso mundo” e nós chegamos ao “mundo deles”.
A lenda é a seguinte: em 2004 Luciano Milici criou um grupo de discussão no finado Orkut chamado Setealém. A descrição do grupo era sua suposta experiência paranormal ocorrida pelos idos de 1994. Muitos sites relacionados a histórias de terror esmiuçaram a estória relatada por ele e também detalhes sobre sua vida pessoal e profissional, em uma verdadeira investigação sobre a veracidade do seu currículo e sua vida pregressa na tentativa de desmascará-lo. Não é o nosso objetivo.
MOTORISTA, PARA TUDO QUE EU QUERO DESCER!
Reza a lenda que, em 1994, Milici, como fazia rotineiramente, pegou um ônibus em uma movimentada avenida de São Paulo. Aliás, foi sem nem olhar o destino, pois os itinerários de todos os ônibus faziam a rota que ele precisava. E seguiu ouvindo Nação Zumbi no discman distraidamente.
Ao entrar no ônibus, uma passageira, percebendo que ele era um outsider, questionou se o seu destino seria “Setealém”. Ele ficou confuso e os demais passageiros também pareciam incomodados com sua presença. Encaravam-no de modo fixo para que ele saísse e logo avisaram o motorista abrir a porta para ele descer. Desceu.
O ônibus fechou a porta, retomou o caminho até fazer uma curva em uma rua estreita e de paralelepípedos. Todavia, algo muito estranho, pois não havia ônibus naquela rota. Tentou encontrar explicação, achando que fosse um ônibus particular, mas lembrou-se que havia cobrador/trocador. Quando fez o grupo de discussão dez anos depois, ele foi bombardeado de histórias semelhantes. Além de outras muito sinistras, envolvendo experiências em que pessoas de forma distraída, em rotas familiares, acabavam chegando em Setealém.
Era um lugar de casas decadentes, postos de beira de estrada empoeirados e fedidos, luzes fracas, pessoas ríspidas – algumas mais benevolentes que aparecem para ajudar. E de crianças pálidas com olhos amarelos ou totalmente pretos, com roupas velhas ou de outras épocas (geralmente com roupas dos anos 30 até os anos 80). Tudo isso em um cenário em sépia ou sombrio.
BECO EM PORTUGAL
Um relato vindo de Portugal talvez seja o que mais destoa dos demais, pois relata a experiência de uma família brasileira em um local paradisíaco chamado Setealém, encontrado ao cruzarem o buraco de uma parede num beco de Lisboa. Mas nesse caso, a família deparou com flores lindas, uma terra muito fértil, animais lindos que não existem em nosso mundo, bem como uma paisagem tão perfeita que parecia foto do Pinterest.
Já um adolescente jurou ter usado o Randonautica para reencontrar seu “crush” que havia conhecido em uma balada e perdido contato. Após o aplicativo levá-lo até a residência da amada (que – adivinhe só – tinha uma pichação no muro com a palavra “Setealém”), ele recebe a notícia de que sua querida havia falecido de foma trágica três meses antes do reencontro.
Há também o relato perturbador da executiva de uma multinacional que contou no grupo Setealém do Facebook sobre quando em um resort na Bahia para uma conferência e, relaxando na banheira do luxuoso quarto, escutou um estrondo que parecia um tremor.
Ao abrir a porta, ela vê sua cama coberta por uma colcha velha e empoeirada, abajures antigos, nada lembrando o glamour do resort cinco estrelas. Retornando ao banheiro, tudo fétido, pior que banheiro de boteco…
Desesperada, a moça sai de roupão para procurar ajuda e quando encontra o recepcionista no elevador ele, de modo sarcástico, pergunta se ela está gostando da experiência em Setealém. A executiva pega o elevador novamente no andar. Ele volta a parecer o do hotel em que havia se hospedado, não uma espelunca. Ela não contou aos colegas a experiência, mas jura que jamais voltará ao famoso resort, nem se pagarem o quarto mais luxuoso!
A LENDA QUE PEGA CRIANÇAS
Mas a história que mais me apavorou foi a do toque de um tambor antigo que abre portais para castigar crianças rebeldes enviando-as à Setealém. Barulhos estridentes, músicas ruidosas ou de época, tem relatos que falam até que estiveram numa Setealém “oitentista”, no melhor estilo De volta para o futuro.
A conclusão que tirei foi a de que estas pessoas (se não forem outras identidades de Luciano) acreditam realmente na existência deste lugar, em virtude de terem tido estas experiências estranhas. Dizem que há moradores de Setealém querendo levar pessoas do nosso mundo a se converter ao mundo deles. Por isso, se alguém com aparência sombria lhe abordar e disser: “Você não quer ouvir a Palavra de Setealém?” comece a rezar…
ENTREVISTA COM LUCIANO MILICI SOBRE SETEALÉM
POP FANTASMA. Vou fazer algumas perguntas-chave. A história inicial eu já conheço. Também conheço o grupo do Orkut e os primeiros relatos. Vou procurar perguntar coisas que talvez não tenham te perguntado. Você tem recomendações prévias para familiares ou amigos próximos se por algum acaso você for parar em Setealém novamente? E se algum deles quisesse propositalmente visitar Setealém, você deixaria?
LUCIANO MILICI: Eu sempre estive envolvido com estudos reais e ficcionais de terror e sobrenatural, mas nunca cheguei a recomendar nada a ninguém, nem mesmo aos mais próximos.
Eu sou muito racional para com todos os fenômenos e, por isso, treinei meus filhos, amigos e familiares para serem sempre racionais. Se eu ou alguém que eu conheço se encontrar em um local desconhecido (seja neste ou em outro universo) agirá como se deve agir em um ambiente hostil. Sobre visitar propositalmente, alguns até querem, mas não creio que conseguiriam.
Você já recebeu relatos bastante verossímeis, embora as histórias sejam muitofantásticas. Você acha que estas pessoas que enviam relatos destas viagens interdimensionais possam ser escritores de literatura de terror ou literatura fantástica que estejam testando a aceitação das histórias? Sim. Já encontrei muitos que agiram assim no grupo de Facebook, principalmente. E não são só escritores. Há pessoas que querem “polarizar” a atenção dizendo ter receitas ou contatos específicos para, assim, chamarem atenção. Se o escritor é sincero e me diz que está criando uma ficção, deixo postar no grupo avisando.
Já ocorreu também de escritores mandarem relatos para o canal do YouTube pedindo para que eu divulgue como caso real. Ah, não posso esquecer: dada a minha negativa, os escritores buscam outros canais para emplacarem seus contos. Porém, nem sempre outros canais aceitam ficção deslavada. Meu filtro não é a verossimilhança, mas sim, o quanto a história é interessante.
Qual seria o relato que mais te assustou nestes dezesseis anos de divulgação da suposta existência desta dimensão chamada Setealém? O relato que mais me assusta é o meu mesmo. O do ônibus, na década de 1990. Isso, porque ele é real e é o único que eu posso colocar a mão no fogo no tocante à veracidade.
Escrevi sobre o aplicativo Randonautica e os jovens que alegam ter chegado em Setealém através dele. Você acha que o aplicativo tem algo sobrenatural? Em época de isolamento social, notou um maior interesse dos internautas sobre viagens interdimensionais? Por que eles querem viver tais experiências? Não acredito no Randonautica de maneira alguma. Acho a proposta interessante, mas não acho que funciona. Recebi e divulguei relatos a respeito por achá-los interessantes apenas. Não creio que a pandemia e o isolamento tenham aumentado o interesse por universos paralelos.
Eu acho que o enclausuramento forçado impulsionou a busca por distração passiva como TV e Internet. A partir daí, os temas ligados ao terror ou ao sobrenatural serviram como escape. Creio que o impulso das pessoas na quarentena seja visitar o nosso próprio universo e o nosso mundo que ficou restrito devido à pandemia. A busca por assuntos como universos paralelos está crescendo muito por conta das recentes descobertas científicas e a oferta de histórias assim na ficção.
Para você ter uma ideia, as gigantes mundiais de quadrinhos Marvel e DC, que já exploravam o tema multiverso desde os anos 1980, começaram a desenvolver histórias para TV e Cinema ligados a esse tema, como a Crise nas Infinitas Terras do Arrowverse da DC e o Spiderverse da Marvel. O assunto Multiverso é a NEXT BIG THING da ficção.
Quem é fã da série da Netflix Stranger things vai naturalmente achar que Setealém é uma espécie de “mundo invertido”, pois em ambas dimensões há escuridão, monstros, seres estranhos e versões maléficas de nós. Fãs do terror mais tradicionais dirão que as crianças descritas nos relatos de Setealém têm uma pitada de Stephen King. O que você acha? É fã? Sou fã e admirador de Stranger things, Stephen King, Twilight zone, Black mirror, horror vintage e tudo o que facilmente encontramos em relatos de Setealém. Acho válido dizer aqui, em primeira mão, que há três tipos de relatos no meu canal. São os que eu recebi e mexi muito pouco (no mínimo 20% da história foi mexida, nunca menos que isso); os que eu recebi e mexi em quase tudo (no mínimo 80% da história foi mexida) e os que escrevi inteiramente. Qual é qual? Nunca contarei.
CONFIRA TAMBÉM:
– Setealém, o canal
– Setealém, grupo de discussão.
– E Setealém, domínio internet.
Confira as outras lendas da série aqui.
Cultura Pop
Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.
Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.
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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).
Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).
Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.
Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”
Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.
Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.
“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.
E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).
Cultura Pop
Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.
O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.
Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.
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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.
O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.
Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.
Foro: Keira Vallejo/Wikipedia
Crítica
Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.
Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.
Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.
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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.
É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).
Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.
O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.
Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.
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